José e o pé de Gizé pt. 2

Essa é a história da serpente que desceu o morro para procurar um pedaço do seu rabo.

Na escola, José gostava do fato de que seu primeiro nome começava com a letra A (José era o segundo). Seu número de chamada seria o 1 durante toda a vida. Sempre saberia, sem problemas, a hora certa de dizer “presente”.

Nos primeiros dias de aula, ele não interagia tanto com os colegas de classe, especialmente na hora do recreio. Sentado no banco largo de madeira, comia sozinho seu mirabel tomando toddynho, saboreando o ligeiro momento de sossego sabor morango e chocolate. Depois, andava pelos becos e cantos da escola; catava xuxu que crescia na cerca para levar de presente para a mãe fazer almoço, motivo pelo qual seus pais sempre o chamaram de “xuxu”.

Certa vez, enquanto todos se prepraravam para entrar na sala, José viu a professora passar apressada pelo corredor segurando sua pasta transparente na mão. Mesmo de longe e, durante uma fração de segundos, ele conseguiu pescar pelo olhar a atividade que seria dada naquela aula. Os alunos ainda não sabiam escrever; aprendiam a fazer traços e formas. Era exatamente essa:

Quando a aula começou, José já estava preparado. Sentado na primeira carteira, levantou a mão dizendo que sabia o que seria ensinado. A professora surpresa, tanto quanto duvidosa, pediu para a criança ir ao quadro, dando-lhe um cotoco de giz. José sentiu-se tão importante segurando aquele pedacinho de fazer escritas nas mãos. Foi ao quadro e desenhou a forma, exatamente como havia gravado na memória. Incrédula, tanto quanto orgulhosa, a professora reconheceu a esperteza do aluno, que recebeu uma salva de palmas da turma.

O que José mais gostava na escola era visitar o viveiro de casal de coelhos que lá tinha. Foi assim que ele encontrou a prematura cria que havia acabado de nascer. Achou estranho, umas coisas todas gosmentas se mexendo; foi logo correndo contar para a professora que se demonstrou surpresa com a esperteza do menino: salvou os filhotinhos, disse. Tal reconhecimento fez com que José conquistasse o título de herói e, assim, seus primeiros amigos na escola. Avesso às verduras, o fato também estimulou nele o momentâneo desejo de comer mais cenouras, motivo de alívio para seus pais.

José só saía na rua de mãos dadas com a mãe. Sentia-se seguro e, de quando vez, conversava com ela sem usar as palavras, mas apertando as mãos, como em código morse. No caminho da casa para a escola; e vice e versa, pisavam em todas as folhas secas caídas ao chão – barulhinho gostoso e crocante – e tudo em volta chamava a sua atenção. José saía pegando tudo que encontrava jogado na rua para dar de presente para quem ele gostava; flor no jardim, chiclete mascado; em certa ocasião, vaso de flor de cemitério. Uma vez, encontrou um belo par de brincos dourados, ao lado de pratos com comidas coloridas e garrafas de bebidas. Não pensou duas vezes. Levou o par de brincos de presente para a professora da escola, inocente e feliz, como um erê. Ou era oferenda, ou despacho; soube anos depois.

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(continua…)

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