José e o pé de Gizé pt. 3

Aos 4 anos, José concluiu a pré-escola. No último dia de aula, sentiu-se inteligente, tirando foto com os colegas. Para a ocasião, vestiu roupa bonita, cabelo com brilhantina, gravata borboleta e sapatênis, todo ajeitadinho para aparecer ao lado da professora. Abraçou os coleguinhas, disse tchau, sem entender para onde iria, mas entendia que, naquele momento, havia crescido mais um cadinho.

Por volta de 1995, estourou a promoção dos Geloucos, da Coca-Cola; os Tazos, que vinham dentro dos pacotes de Cheetos; brinquedos do Kinder Ovo, que devia custar R$1,00; as lojas de R$1,99, onde José comprava 5 brinquedos por R$10,00. Nesse contexto, ele foi para uma escola nova; você está na 1ª série, sua mãe dizia. Se aquela era a primeira, quantas será que seriam?, ele se perguntava de volta. Tudo parecia ser um tanto diferente; não havia mais xuxu na cerca para catar, nem viveiro de coelhos para visitar. Em compensação, podia comer de graça todos os dias na escola, e repetia toda vez que o arroz era doce.

Nessa época, fazia muito sucesso a música Marrom Bombom, do grupo Os Morenos. Ela tocava todos os dias na rádio, exatamente na hora do almoço – meio dia e pouca -, horário em que José tinha que ir para a escola. Apesar de simpatizar com a melodia da música e gostar muito de comer bomboms, ele sentia um gosto amargurado toda vez que a música tocava, pois, sabia que teria que ir à aula. Desejava secretamente ficar em casa, assistindo a programação da TV Cultura – Glub-Glub; O Pequeno Urso; Castelo Rá-Tim-Bum; Senta que Lá Vem a História…

Em um atípico dia de aula, uma equipe de televisão foi na escola nova de José para gravar uma matéria sobre os cuidados com a higiene bucal (pois, claro, qual criança crescida na década de 90 que estudou em escola pública e nunca passou flúor na boca? Deixa aí nos comentários.) No dia marcado, todas as crianças sorrindo azulado, alvoroçadas com a chegada da equipe de tv; as professoras como nunca haviam visto; de cabelos soltos e boca pintada  – evento novo na cidade – , uma equipe de televisão com filmadora, microfone, gravata e tudo mais.

As crianças fizeram fila e marcha, cantaram o hino nacional com um palmo de distância, enquanto estendia-se a bandeira do Brasil. Quando o moço da tv perguntou quem quer dar uma entrevista?, foi um alvoroço geral. Em meio à gritaria, José não pensou duas vezes: aparecido que era, esperou apaziguar a algazarra e, na beirada do silêncio, falou em alto tom: EU SEMPRE QUIS APARECER NA TELEVISÃO!!! Com um sorriso de canto no rosto, o moço fitou o menino. Seria a primeira vez que José apareceria na tv.

No dia em que a reportagem foi ao ar, a família de José se reuniu toda na casa dos avós. Teve churrasco com bavaria, a cerveja dos amigos, guaraná Taí para a criançada e gelatina com leite moça de sobremesa. Passava na televisão um filme em preto e branco de um navio que afundou: “Titanic”. Que demora para afundar, pensava José, paralisado na frente da tv, esperando o jornal começar. Quando entrou a reportagem no ar, ele finalmente apareceu, em meio segundo dizendo gostei muito! José não gostou nada.

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(continua…)

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